Projeto ZK - Informática & Educação

Série: Teses & Artigos

 


Computador e prática letiva

Introdução

“Novas tecnologias”, “tecnologia informática” ou, simplesmente, “informática” são expressões que invariavelmente remetem-nos ao computador, não obstante uma crescente tendência no sentido de que, nesse novo contexto, o computador é apenas mais um ator.

Sem dúvida, uma perspectiva atraente à prática daqueles que, de algum modo, estão envolvidos em processos de implantação dessas “novas tecnologias” na prática letiva; mas, que no entanto, deve ser recebida com cautela por nós professores. 

É uma visão generalizante, a qual transforma a presença da “informática” em uma coisa a respeito de cujas origens nós não nos perguntamos porque delas nos esquecemos. Portanto, uma forma de reificação, cujo efeito é reforçar ainda mais a ideologia da técnica; isto é, a da forma pura, descontextualizada, que despreza a fala do sujeito e não se prende a nenhum referencial específico, convertendo-se em metafísica.” (cf. Crochik, p.55).

“A ciência e a tecnologia são a base do desenvolvimento industrial e ultrapassam essa órbita direcionando-se para as esferas sociais. As relações humanas tornam-se relações entre coisas. Se essa reificação já era enfatizada por Marx no século passado como decorrência do caráter social próprio do trabalho que produz mercadorias, a tecnificação do cotidiano amplia a coisificação humana.” (ib. p. 56) 

Ora, como um dos efeitos da objetificação é justificar a realidade estabelecida e, por conseguinte, perpetuá-la; parece razoável aceitar que, no âmbito da prática letiva, relegar ao computador um papel de simples coadjuvante nessas “novas tecnologias” é, no mínimo, incorrer no risco de reforçar procedimentos de ensino consagrados em nossas escolas, os quais em nada contribuem para o aprendizado da matemática como, por exemplo, é a ilusão de que existem fórmulas mágicas para serem imediatamente empregadas ou respostas prontas para as inúmeras questões que surgem em situações educacionais. O que não significa também trazer o computador, enquanto tal, para o centro das atenções, pois sabemos que fixar o computador como fim é, do mesmo modo, privilegiar os saberes  práticos (des “savoir faire”).

Isso significa que, doravante, será necessário reconhecer que a lógica e uma determinada forma de racionalidade estarão, mais do que nunca, presentes em nossa prática letiva. Significa não esquecer que “nós vivemos todos os dias num mundo muito sólido e ordenado, onde as coisas fantásticas acontecem, quase só, para confirmar a solidez de todos os dias. Não há grandes rompimentos de expectativas e fatos definitivamente imprevisíveis dentro do mundo cotidiano. Nosso mundo de todos os dias é um mundo dentro do qual minhas ações são estruturadas, onde cada coisa tem o seu lugar.” (Dória, p. 63)

O computador

“Um dos fenômenos mais surpreendentes, e sem dúvida o que é menos conhecido em informática, é que praticamente todos os computadores construídos desde o final da década de quarenta obedecem ao mesmo princípio de base. Trata-se de máquinas inteiramente automáticas, que dispõem de uma memória ampliada e de uma unidade de comando interno, que efetuam operações lógicas de cálculo e de processamento de informação graças a algoritmos gravados”. (Breton, p. 89) 

Fruto da cultura, o computador se constitui como uma espécie de convergência que busca sua força no automatismo – uma tradição técnica de construir máquinas e dispositivos artificiais movidos “por dentro”; na transmissão de mensagens e, por conseguinte, na necessidade de codificação dessas mensagens; e na tradição milenar do cálculo que acabou por tornar-se uma questão de máquinas e não mais de instrumentos, como ainda eram os rudimentares ábacos. (ib. p. 25, 43 e 44)

Mas se essas são, por assim dizer, as “partes” que constituem o potencial do computador, isso não significa que um estudo profundo de cada uma dessas partes seria suficiente para avançarmos em direção ao conhecimento de suas potencialidades. Seria como decompor a água e dizer que é composta por hidrogênio e oxigênio. Mas essas matérias abstratas não são mais água.

“O mesmo sucede quando o psicólogo empírico decompõe uma ação segundo os diversos lados que ela oferece ao exame, e depois fixa em sua separação. O objeto tratado analiticamente é aí considerado, por assim dizer, como uma cebola, que se retira uma casca depois da outra” (Hegel  § 227 p. 359)

Do mesmo modo, de nada adiantaria afirmarmos que, ao se constituir, o computador é conseqüentemente mais do que suas partes. Isso é senso comum que nada nos revela. Se vamos dizer que o computador é um “mais”, então temos que procurar precisar no que consiste esse “mais”.

Para uma primeira aproximação vamos tomar o computador nos aspectos codificação de mensagem e processamento. São aspectos que transformam esse mesmo computador, por exemplo, em uma poderosa máquina para edição de textos. Nesse aspecto,  quando é tentada uma maior caracterização dessas possibilidades como um “mais”, não raro é a presença de argumentos, os quais defendem que recursos como recortar, colar, etc; possibilitariam uma melhoria na qualidade, por exemplo, de nossas “provas”. Segundo inferem alguns dos  que defendem tal posição, a partir de  uma espécie de reorganização imposta pela máquina poderíamos, por exemplo, repensar esse instrumento de avaliação.

Não há dúvidas de que os recursos de editoração flexibilizam o trabalho do professor. Contudo, é um caso típico em que a força da argumentação apóia-se exclusivamente na técnica. De modo mais especifico, é um caso de transição em que a referência torna-se exclusivamente nossos saberes práticos. E isso, exatamente porque relega-se ao computador o papel de coadjuvante no processo. 

“(...) a transição tem por efeito tornar o indivíduo mais confiante de suas histórias de vida passada, ao invés de encorajá-lo a reformular estas histórias a partir de uma nova perspectiva.” (cf. Ferreira da Silva e Baldino, 1999).

No exemplo dado – editoração de “provas” – o que caracteriza a determinação do novo pelo velho, são as seguintes: trata-se simplesmente do aprimoramento de uma técnica que se estabeleceu com o advento das máquinas fotocopiadoras; reforça a preponderância da “coisa” prova como um elemento imprescindível no processo avaliativo; e, finalmente, tem como única  referência o texto impresso. Em suma, uma perspectiva de utilização dos recursos de editoração oferecidos pelo computador que, sob a máscara do novo, tem por efeito somente consagrar práticas, cujos valores educacionais são discutíveis. Em outras palavras, um caso típico em que o meio mais antigo procura reinventar-se à imagem do novo, mas desconsidera que suas convenções não permitem transformações.

Portanto, se queremos o “mais” do computador no aspecto de codificação de mensagens e processamento, o problema não está no que o computador pode fazer pelo texto impresso, mas, pelo contrário, está no que fazemos com o computador porque não podemos fazer com o texto impresso.

 A título de ilustração, vamos nos remeter à poesia concreta intitulada “Vai e vem” de José  Lino Grunewald (19??).

 

Nesse poema, o autor, ao que parece, utiliza-se da carga semântica e do recurso visual  como forma de expressão. Se considerarmos a hipótese de que houve, por parte do autor, a intenção de garantir o significado de movimento ao significante “vai e vem”; esse poema é, sem dúvida, um primor de criatividade na utilização dos recursos oferecidos pelo texto escrito. 

Mas, que movimento é esse? De que modo ele se estabelece, na perspectiva visual proposta pelo autor?

            Dentre algumas das possíveis resposta, vamos destacar as seguintes: 

 

Note-se que, a partir de agora, a impressão desse texto para o papel, tal como está, nada mais será do que uma versão mutilada daquilo que o texto é. Imprimi-lo significa ficar com a codificação e abrir mão do automatismo. De modo mais específico, significa, no caso das interpretações apresentadas para o poema, inviabilizar a leitura do que foi escrito. E esse é um “mais” do computador; o qual somente é possível porque me expresso através dele e, ao fazer isto, nego as partes que o constitui. Portanto, se é objetivo a inserção de “novas tecnologias” na prática letiva, então é partir delas que teremos que fazer isso. É o novo que determina o velho.

Computador e prática letiva  

Nesse item, vamos fixar nossa atenção nos aspectos  cálculo e automatismo do computador.           

No mundo da aviação, as manobras radicais, além de serem espetáculos ímpares, significam também estratégias para a ação. 

Dentre essas manobras, vamos destacar o loop ou laço que é um modo de retornar ao ponto de partida. 

 

No mundo da informática, o conceito de loop ou laço não parece ser diferente. Especificamente, trata-se de um conceito fundamental em programação que numa aproximação razoável, significa execução repetitiva de um comando, ou de uma série de comandos. Assim, quando dizemos que um determinado programa está executando um loop, isto significa que a partir de um determinado ponto P1 do programa, o computador, ao atingir um determinado ponto P2, irá retornar ao ponto P1 e, então, repetir as instruções contidas nesse intervalo por um número finito de vezes.

            A título de ilustração, vamos supor que uma pessoa queira, por exemplo, encontrar o 35˚ termo da seqüência (3, 4, 5, ...).

            Para encontrarmos o termo procurado, usando um loop computacional é fundamental estar claro, ao leitor, que os termos dessa seqüência, a partir do primeiro termo (no caso o número 3), se constituem enquanto soma do termo anterior com o número 1. Em outras palavras, 3 = 2 + 1; 4 = 3 + 1; 5 = 4 + 1, etc. Em suma, a seqüência em questão é uma Progressão Aritmética (PA) de razão 1.

            Dito isso, as instruções para a resolução desse problema via computador podem ser resumidas da seguinte forma:

Atribuímos a uma variável qualquer (N) o valor do primeiro termo (no caso N = 3).

Estabelecemos o início de um loop.

Adicionamos 1 à variável (N).

Fixamos que o computador deverá repetir o procedimento anterior 34 vezes.

Instruímos ao computador imprimir, após o término do loop, o valor da variável N.

 Em outras palavras:

 Deixe a variável N = 3  
   Inicie o Loop  
       Faça a variável N = N + 1  
    Faça o loop enquanto N < 35
 Imprima N

 ou, de modo mais simples,

 N = 3  
      Inicio de Loop  
     N = N + 1  
      Loop enquanto N < 35  
 Imprima 

Portanto, uma maneira de se conduzir o pensamento que não é diferente do processo de recorrência, através do qual muitos de nós, professores de matemática,  procuramos convencer nossos alunos ou alunas sobre o fato de que numa Progressão Aritmética (A1; A2 ; A3 ; ... ; An ; ...) de razão R, a  fórmula do termo de ordem geral é AN = A1 + (N – 1).R .

   

Mas, se assim o é, então qual a diferença entre utilizar ou não o computador na prática letiva da matemática?

A diferença, é que nesse caso específico, a presença da máquina de cálculo automática suprime, no caso das aplicações práticas, a necessidade de síntese do termo geral AN = A1 + (N – 1).R.

Com efeito, pois em qualquer problema cuja solução imponha o valor de um determinado termo de uma progressão aritmética, um computador munido desse algoritmo vai calcular esse termo, antes mesmo que possamos organizar os dados no papel. Se não acredita experimente.

Após preencher os campos: clique em "calcular"

Primeiro termo:

Razão da PA:

Encontre o termo: 

E esse, sem sombra de dúvidas, é também um “mais” do computador. Um "mais" sobre o qual já impusemos algumas formas de utilizar pelo automatismo, que é a regulação por realimentação ou feed-back. Um "mais" que toca bruscamente nossa profissão de professor por uma revolução tecnológica que torna obsoletos muitos de nossos conhecimentos e savoir-faire tradicionais. Portanto, se vamos propor informática na prática letiva, então esse ambiente computadorizado deve ser o ponto de partida.

Bibliografia básica

ALTHUSSER, L. Ideologia e Aparelhos Ideológicos do Estado. Brasil: Livraria Martins Fontes, s/d.
BRETON, P. História da informática. São Paulo: Unesp, 1991.
DAVID, I. Habermas e a dialética da razão. Brasília: UNB, 1994.
DORIA, F.A. Marcuse: vida e obra. São Paulo: Paz e Terra, 1983.
CROCHIK, J.L. O computador e a limitação da Consciência. São Paulo: Casa do psicólogo, 1998.
FERREIRA DA SILVA, J.E. e BALDINO, R.R. An algebraic approach to algebra through a manipulative-computerized puzzle for linear system. PME – 23. 1999. Haifa, Israel, 1999.
FERREIRA DA SILVA, J.E. Um dia no aeroporto... Juiz de Fora: UFJF, 2001. (Texto virtual)
HABERMAS, J. Conhecimento e interesse.Rio de Janeiro. Zahar, 1973.
HEGEL, G.W.F. Enciclopédia das ciências filosóficas em compêndio: 1830. São Paulo: Loyola, 1995.
NICOLOA, J. Literatura brasileira: das origens aos nossos dias. São Paulo: Scipione, 19??.


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